A GRAÇA SOBERANA

I Co. 15.9-10
INTRODUÇÃO
O que é a graça de Deus?
Em primeiro lugar, graça é um atributo divino, ou seja, uma qualidade da natureza de Deus. Quando pensamos na graça de Deus, é muito mais comum pensarmos no que Ele faz e não no que é. Ele é cheio de graça, rico em graça, abundante em graça. Deus não precisa receber ou dar sua graça, Ele tem a plenitude da graça em si mesmo.
Em segundo lugar, graça significa dom ou dádiva. Neste sentido, Deus age em favor do homem para alcançá-lo com sua graça.
Por causa do pecado houve separação entre o homem e Deus e veio a morte como consequência da desobediência. O homem agora é inimigo de Deus e o que merece de fato é a condenação eterna.
Ouvi certa vez alguém falar que a MISERICÓRIA de Deus é evidenciada em nós quando Ele não dá o que nós merecemos; e a GRAÇA é quando Ele dá o que nós não merecemos.
Graça é “Ser conduzido ao lugar que você não tem direito de está lá”; “Graça é uma aceitação sem reservas que nos é dada em uma situação imerecida; é dada por um doador que não tem obrigação em dar”. (John Piper)
Vejamos o exemplo do apóstolo Paulo em Romanos 4:4: “Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado favor, e sim como dívida”. O trabalhador que trabalha merece receber salário; o patrão que o contratou tem a obrigação de pagar; um vizinho mal não merece; o vizinho bom que está sendo prejudicado pelo mau vizinho não tem obrigação em dá nada a ele; o homem pecador não merece receber a salvação; Deus não deve nada a ele e não tem nenhuma obrigação em ser favorável ao homem. “Graça é favor imerecido”.
O que quer dizer “graça soberana”?
Assim como a graça é um atributo divino, também podemos afirmar que Ele também é um Deus soberano. Ele age de acordo com sua livre vontade e domina soberanamente sobre todas as coisas. Quando falamos em graça soberana dizemos que Deus concede sua graça a quem ele quer, e que Ele é livre em escolher aqueles que vão ser os recipientes desta graça.
ELUCIDAÇÃO
Embora a doutrina da GRAÇA possa ser vista por toda a Bíblia, é nos escritos do apóstolo Paulo que vamos encontrar mais frequente e mais sistematizadamente essa importante doutrina.
O texto que lemos é um testemunho do apóstolo Paulo diante daquilo que ele atribui exclusivamente à manifestação da graça soberana de Deus.
Paulo já havia tratado de alguns problemas que estavam acontecendo na igreja de Corinto, como divisões, problemas de natureza sexual, casamento, comidas sacrificadas aos ídolos, sobre a ceia, mau uso dons espirituais e falta de reverência no culto, e agora outro problema em tela era a questão da ressurreição dos mortos. Havia um grupo que não acreditava que havia ressurreição corpórea dos mortos, o que colocaria em dúvida a doutrina da ressurreição de Jesus.
O autor apresenta vários argumentos para provar a ressurreição de Cristo, entre os quais está o de que havia muitas testemunhas oculares da sua ressurreição. Confiram os versículos 3 ao 8. Ao afirmar que era uma destas testemunhas que tinham visto a Jesus ressuscitado, ele diz que o viu não no período que Ele permaneceu na terra após a sua ressurreição, ou seja, os quarenta dias, mas como um “abortivo”. Diante do seu argumento pessoal ele abre o parêntese, para reconhecer que tudo isto aconteceu por causa da graça soberana de Deus, pois naquele momento que ele viu a Jesus de forma milagrosa ele estava indo perseguir a igreja de Deus.
Diante deste texto, podemos extrair algumas verdades sobre a graça soberana na vida do apóstolo Paulo, que podem ser também aplicadas a nós. 

1.             Paulo, assim como nós, foi salvo pela graça soberana de Deus (At. 9:1-6)
“...Pois persegui a igreja de Deus”(VS.9)
Paulo não foi salvo indo a uma igreja, mas indo perseguir os cristãos. Se fosse pelas obras, ele nunca seria salvo. Como disse John Stott:  “Saulo não se “decidiu por Cristo”, como poderíamos dizer. Ao contrário, ele estava perseguindo a Cristo. Antes, foi Cristo quem se decidiu por ele e interveio em sua vida”.
Como nenhum outro ele compreendia o que era ser salvo somente pela graça. Disse ele em Efésios 2:8-9: “Porque pela graça sois salvos por meio da fé, e isto não vem de vós é dom de Deus; não das obras para que ninguém se glorie”. E declarou verazmente: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm.5:20)
Podemos ainda citar o apostolo Paulo se referindo à graça salvadora no texto escrito para Tito (2:11): “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens”. Com isso Paulo está nos ensinando que a salvação não é um caminho que nós construímos da terra até o céu, ela é resultado do caminho que Deus abriu do céu a terra.
A soberana graça é o único meio pelo qual podemos ser salvos e ainda perseverarmos na segurança da eterna salvação. Por meio da graça somos capacitados e aperfeiçoados por Deus mediante o Espírito Santo para vivermos uma vida de santificação. Isto significa que a graça soberana de Deus não age só no momento da nossa conversão, que é um dos aspectos da salvação; ela acompanha todos os momentos da salvação, começando com a regeneração, santificação e glorificação.
Um ex-traficante de escravos convertido ao cristianismo recebeu a visita de um amigo que leu para ele o texto de 1 Co. 15:9-10, ao concluir ele disse estas palavras:
 “Eu não sou o que devo ser. Ah! quão imperfeito sou! Não sou o que desejo ser. Abomino o que é mau, anelo apegar-me ao que é bom. Não sou o que espero ser. Logo me despirei da mortalidade e, com ela, de todo pecado e imperfeição. Embora não seja o que devo ser, o que desejo ser e o que espero ser, ainda posso dizer, em verdade, que não sou o que fui outrora, escravo do pecado e de Satanás; posso, sinceramente, unir-me ao apóstolo e reconhecer: 'Pela Graça de Deus sou o que sou’” (Jonh Newton, autor do hino Maravilhosa Graça)

2.             Paulo foi escolhido para ser apostolo pela graça soberana de Deus (Vs.9)
“Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus”.
Paulo sabia muito bem quais as condições preliminares para se escolher um apóstolo. Primeiro, era preciso ter sido um seguidor de Jesus enquanto ele esteve aqui; Segundo, ter sido testemunha ocular da ressurreição de Cristo (Atos 1:21-22). Ele tinha esses requisitos? Podia fazer parte do colégio apostólico? Sua resposta era que sim, mas ele foi como um “nascido fora do tempo”.
“Paulo foi salvo tarde demais para ser um dos 12 apóstolos. Cristo tinha ascendido antes da conversão dele. Entretanto, por meio de um aparecimento milagroso (At.9:1-8), Cristo se revelou a Paulo e de acordo com os propósitos divinos fez de Paulo um apostolo” (John Macarthur)
Isto não era falsa humildade, era reconhecimento da soberania e graça divina. Paulo declara em outras cartas essa convicção:
“Do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder. A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo”. (Efésios 3:7-8)

A vocação seja ela ministerial ou profissional deve ser reconhecida como um dom da graça soberana de Deus. Deus não apenas vocaciona, mas é ele quem capacita a todos. Como disse ainda o apostolo Paulo: “Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus, o qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica”. (2 Coríntios 3:5-6)
Paulo foi o maior missionário, o maior pastor e o maior teólogo da história do cristianismo. Ele fez pelo menos três grandes viagens missionárias, implantou pelo menos 10 das maiores igrejas do primeiro século, escreveu no mínimo 13 dos 27 livros do N. T., mas para esse gigante do cristianismo não havia lugar para vã glória. “Eu sou o menor dos apóstolos”, “não sou digno de ser chamado apostolo”.  Ele reconhecia que tudo o que fazia, tudo o que era e tudo o que tinha, tudo era por causa da graça soberana de Deus.
Creio que não somos melhores do que o apóstolo, por isso, devemos reconhecer que não somos capazes de fazer nada sem a ajuda do Senhor. Devemos nos esvaziar da nossa autossuficiência para nos humilharmos diante do Senhor, como o apóstolo Paulo, reconhecendo: “Porque dEle, e por meio dEle, e para Ele são todas as coisas. A Ele, pois, a Glória eternamente. Amém! (Rm.11:36)

3.             Paulo agiu correspondendo como resposta a graça soberana de Deus (VS.10)
Qual o resultado na vida do apostolo Paulo ao reconhecer sua salvação e sua vocação como fruto da graça de Deus? Ele corresponde com uma resposta à esta graça.
3.1          Paulo se esforçou para trabalhar em resposta a graça divina
Muita gente vive equivocada pensando que crer na soberania de Deus é um incentivo para falta de responsabilidade do homem, ou que as doutrinas relacionadas com a graça soberana, como eleição e predestinação dão motivo para o comodismo e a falta de compromisso com Deus. O apostolo Paulo prova que isso não passa de um grande engano. Ele não enxergava dessa forma, pelo contrário, ele era mais motivado ainda a se esforçar para pregar o evangelho, como ele diz neste texto:
“Portanto, tudo sofro por amor dos escolhidos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória eterna”. (2 Timóteo 2:10)
Em uma das suas cartas mais teológicas de todas, Romanos, ele transpira missões, ele almeja falar das boas novas de salvação. Diz ele:
“Eu sou devedor, tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes”. (1:14) E depois de expor a passagem mais longa sobre a doutrina da eleição (9 – 11), ele vai dizer: “E desta maneira me esforcei por anunciar o evangelho, não onde Cristo foi nomeado, para não edificar sobre fundamento alheio”. (15:20)
Assim com Paulo, os maiores pensadores e pregadores da história do cristianismo (Lutero, Calvino, Whitefield, Jonathan Edwards, Spurgeon), foram grandes defensores da graça de Deus e mostraram que crer na soberania de Deus não anula a responsabilidade humana, muito pelo contrário foram motivados por causa dela. Gosto de um pensamento do Rev. Augustus Nicodemus Lopes que diz: "Não existe contradição entre a fé reformada e a prática intensa e fervorosa da piedade bíblica".
3.2          Paulo suportou o sofrimento da vida e do ministério por causa da graça soberana (2 Co.12.7-10)
Quando olhamos para o tamanho do ministério deste apóstolo, muitas vezes não enxergamos o quanto ele padeceu. Como diz Hernandes Dias Lopes, “a vida para o apostolo Paulo não era um parque de diversão, era um canteiro de obras”. Nos mais variados relatos que ele faz do seu sofrimento podemos perceber, o quanto vão “padecer perseguições àqueles que querem viver piamente”.
Vejamos o que diz o maior missionário da história:
São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes. Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; Em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; Em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. (2 Coríntios 11:22-27)

A ideia que podemos ter é que sua vida foi marcada por dor e sofrimento. Por isso, ele aconselhou seu filho na fé, Timóteo para que “se fortificasse na graça que há em Cristo Jesus” (2 Tm.2:1). Isto significa, como disse o Pr. Hamilton Medeiros: “Graça para suportar o insuportável”. O que nos chama a atenção é que ele não negou a sua fé, não negociou os princípios cristãos, não mercadejou a pregação e não adulterou o evangelho da graça. Um dos textos mais marcantes se encontra em 2 Tm. 4: 6-18:
Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda. Procura vir ter comigo depressa, porque Demas me desamparou, amando o presente século, e foi para Tessalônica, Crescente para Galácia, Tito para Dalmácia. Só Lucas está comigo. Toma Marcos, e traze-o contigo, porque me é muito útil para o ministério. Também enviei Tíquico a Éfeso. Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos. Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe pague segundo as suas obras. Tu, guarda-te também dele, porque resistiu muito às nossas palavras. Ninguém me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me desampararam. Que isto lhes não seja imputado. Mas o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me, para que por mim fosse cumprida a pregação, e todos os gentios a ouvissem; e fiquei livre da boca do leão. E o Senhor me livrará de toda a má obra, e guardar-me-á para o seu reino celestial; a quem seja glória para todo o sempre. Amém.

Qual a razão deste homem não ter amado mais a sua própria vida? Como suportar, como ele, tanto sofrimento, mesmo sendo um servo fiel ao seu Senhor? Qual a razão para ele dizer: “Mas, em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira e o meu ministério que recebi do Senhor Jesus, para dá testemunho do evangelho da graça de Deus”? (At.20:24)

Por um lado, ele reconhecia o sofrimento que Cristo suportou em seu lugar; por outro lado, por causa da graça dele derramada em sua vida, foi capaz de suportar o sofrimento. Quando ele orou por três vezes pedindo para ser livre de um “espinho na carne”, a única, mas suficiente resposta que ele ouviu foi:
“A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte. (2 Coríntios 12:7-10)

Como muito bem diz um hino do Grupo Logos:
Senhor Jesus eu não entendo o espinho,
Mas se a cruz é o Fim deste caminho,
Dá-me mais graça,
Não sou maior que meu Senhor
Apenas servo sou,
Apenas servo e nada mais.
Se as pontas aguçadas da coroa
Te feriram ó cabeça
Eu que sou corpo
Parte do teu corpo,
Não devo reclamar.
Senhor se estou por ti sendo provado,
Eu quero aprovado ser ...
Agora sei o que tens a dizer,
E creio nisto também
“Basta-me a graça”
Dá-me mais graça Senhor!
Dá-me mais graça!
Passa os teus dedos nos meus olhos
Vem me consolar.
Dá-me mais graça Senhor!
Dá-me mais graça!
Faz me em cristo outra vez,
Ser ,mais que vencedor.
Qual a razão para acreditarmos que vamos suportar a dor, o sofrimento, as provações seja por causa do evangelho ou pelas próprias adversidades da vida? Somente a graça de Deus é capaz de sustentar.
Quando leio as biografias escritas por Piper sobre John Paton, John Bunyan, William Cowper e David Brainerd, ou quando converso com pessoas que passaram por tantas coisas na vida ou olho para mim mesmo, eu vejo como somos inteiramente dependentes da graça.
APLICAÇÃO
Qual tem sido nossa atitude diante do fato de que tudo em nós é fruto da graça de Deus? Nossa atitude deve ser de total gratidão a Deus. Contudo não devemos pensar que poderemos pagar ou retribuir a graça divina. Não! Ela é de graça mesmo. O que deve haver em nós é um sentimento de que não merecemos e não podemos retribuir, mas nos prostramos humildemente e ofertarmos a Ele um louvor sincero, fruto de lábios que confessam o seu nome. Quero, com a ajuda da graça divina, depender e anunciar o evangelho da maravilhosa graça de Deus.

(Mensagem pregada no último culto como pastor da Igreja do Betel em Exu/PE – 05/05/2012)